Ás quatro horas da manhã o despertador toca. Meu Deus, prá que acordar tão cedo? Mas já era de costume, todo dia era assim. Toma um angu, restos da noite anterior. Café não havia. Enterra o chapéu na cabeça, passa a mão na testa para retirar o suor, mas nem isso!É tanta a seca e seca a pele, seca a esperança cansada de esperar.Contempla com tristeza toda a aridez, e seu coração se espreme em gotas de saudade.
Pensa que já não tinha ouvido falar em Ecologia? mas ali, a tal da Ecologia, nem o eco tinha chegado!Ali mesmo, naquele mundão esquecido, já tinha ouvido falar de legião de descamisados, de violência, roubos, sequestros, corrupção, assassinatos de crianças, de homens, sem teto, de menores abandonados, de maniacos para todos os gostos e até mesmo numa tal de Constituição.
Não pense você que não conhecia outros lugares, que não houvesse pisado outro chão. Já tinha dado muita marcha à ré na sua história. Foi testemunha de muito ato falho.
Se perdeu no mundo e agora estava ali perdido em si mesmo, com os olhos cravados na terra cheia de sulcos, tantos quantos haviam já em seu rosto.
Tinha percorrido terras e terras, mas em todas elas havia privilégios de casta, extremismos, divergências, a maioria poderosa de intocáveis que nunca aprendeu a dividir, e ele não teve opção. Não ia se adaptar a um mundo onde não havia sequer um pagador de promessas. Com a fé nocauteada, volta às raízes, mas o útero da terra não é mais o mesmo: também está seco.
Gritos e gritos lançou ao ar. mas ninguém escutou ou será que o ignoraram?De repente se dá conta que estava completamente sozinho, a situação crônica. Nem a doçura do canto de algum pássaro. Liga o radinho de pilha prá se distrair. Toca “Losing my religion”. Deus o que será isto? Será que captou ondas de outros planetas? Cadê “Asa Branca”? Cadê Elba? A farinha, a rapadura? Cadê a voz do ‘dono’ do país?A barriga dói. Fome. Não tinha aprendido ainda a dissimulá-la.A única coisa que lhe lembrava comida eram as maças do rosto, pois até a barriga da perna está vazia.
Um dia, o vento trouxe pedaços de jornal. Leu. Assustou-se com o que viu. Nossa, o que é que estava acontecendo? A última vez que tinha tido notícias, parecia que o país ia melhorar: Brasil na Copa e um presidente com varinha de condão, disposto a fazer desaparecer todo o mal. Parecia coisa de filme, com mocinho e tudo?Mas, agora aquilo que estava vendo era uma imagem às avessas àquelas que coloriram no princípio. O país está na U.T.I. Será que alguns daqueles famosos transplantes não resolveriam?Desesperançado, rasga o já roto jornal e o espalha ao vento. Vento? Bem que tinha lido em algum lugar sobre os falsos profetas.
O dia já ia se encolhendo e ele só fizera pensar. Do fundo do seu coração, queria que as coisas melhorassem. Queria tirar a mordaça e gritar novamente: ” água, pelo amor de Deus! Água! Mas a garganta continuava seca.
À noite vem e o envolve num abraço tão apertado que chega a sair lágrimas de seus olhos. Lagrimas, que embora escassas, molham seus lábios ressequidos.Ah! como gostaria de poder desejar o que quisesse. Ele colocaria o verde nos pastos, a água de volta nos rios e um mundo de esperança no coração daqueles que perderam a fé em si mesmos…Simples assim. Simples assim…