Antonio Carneiro: O poeta afeano!

Os motivos que levam uma pessoa a escolher seu ‘time do coração’ são diversos, a maioria deles ocorridos na infância. Existem os torcedores que passaram a torcer pelo seu time por terem se encantado por um esquadrão que sagrou-se campeão de forma brilhante, outros que escolheram o time por causa de um craque que deu show e outros que seguiram o time do pai como uma herança de família. Mas como explicar um torcedor, nascido no Rio de Janeiro, que escolheu a Ferroviária para declarar seu amor?

Esse é o caso de Antonio Carneiro, também conhecido como Bélier, conhecido pela torcida afeana por criar poesias que têm como tema o time grená. O engenheiro eletrotécnico de 74 anos reside em Portugal desde 1993, mas a longa distância nunca afetou seu amor pela Locomotiva, pelo contrário, ele acompanha diariamente as informações da equipe e sente na pele todas as emoções proporcionadas por cada lance dos jogos. 

Conheça a seguir a história do poeta afeano.


Identificação imediata

Antonio Carneiro nasceu no dia 28 de junho de 1946 no Rio de Janeiro. Ainda na infância se interessou pelo futebol e tinha tudo para torcer por um grande clube da sua cidade, porém o ano de 1956 foi especial em sua vida. Na ocasião, ele decidiu parar de acompanhar o Campeonato Carioca, que segundo ele, naquela época era marcado por atuações da arbitragem que ‘direcionavam’ os títulos sempre para os times grandes e que faziam dos times pequenos verdadeiros ‘bobos da festa’.

De repente, ao folhear uma revista ‘O Cruzeiro’ no cabeleireiro, teve seu primeiro contato visual com a Ferroviária. “A reportagem falava sobre um time do interior de São Paulo que acabava de subir à elite com uma vitória por 6 a 3 sobre o Botafogo de Ribeirão Preto. Comecei a acompanhar aquele time e percebi que o futebol paulista não era previsível como o carioca, pois os times grandes sofriam muito para vencer os times do interior”, conta.

Para ele era difícil, pois os jornais do Rio não traziam muitas informações sobre a então jovem equipe grená de Araraquara. O problema foi solucionado quando o garoto descobriu as ondas tropicais da Rádio Cultura de Araraquara, por onde passou a acompanhar todos os jogos. E sua identificação com a Locomotiva só crescia. Em uma das ocasiões, em 1960, sofreu gozações de um aluno antes de um jogo contra o Santos de Pelé, Pepe, Coutinho e companhia. O resultado de 4 a 0 para a Ferroviária deu o argumento necessário para colocar o garoto rival ‘em seu devido lugar’. “Eu lavei a alma. Cheguei lá e o sujeito até se escondeu, pois nunca imaginava que poderia acontecer aquilo”, relembra.


Contatos em Araraquara

Cada vez mais interessado em juntar informações do time araraquarense, Antonio passou, a partir do início da década de 60, a trocar correspondências com os radialistas que transmitiam os jogos da Ferroviária. Desde então, fez amizade com Dorival Marcondes Machado, Sidney Schiavon, Dorival Falcone, Antonio Carlos Rodrigues dos Santos, Wilson Luiz e José Roberto Fernandes, que até hoje narra os jogos da Locomotiva.

As conversas ‘encurtavam’ a distância entre o Rio de Janeiro e Araraquara, mas em 1972 houve o contato pessoal que ele tanto aguardava. Foi nesse ano que ele pisou pela primeira vez no solo araraquarense e se sentou nas arquibancadas da tão pesquisada Fonte Luminosa. Encontrou os amigos radialistas com os quais trocava mensagens e a amizade ficou ainda mais real.

Dentro de campo, três craques afeanos são lembrados com mais emoção. “O Bazani, que é o símbolo da Ferroviária, o Dudu, grande meio-campista, e o Parada, que jogou pouco tempo na Ferroviária, mas o que eu vi ele fazer realmente foi uma coisa extraordinária. Eu já vi ele driblar todo o time adversário, além de desmoralizar zagueiros de Seleção Brasileira”, relembra.


Amor que atravessa o Atlântico

E assim o tempo foi passando e sempre que podia acompanhar algum jogo da Ferroviária como visitante, lá estava ele no estádio, com sua energia positiva, incentivando a equipe. Pegava o trem até São Paulo só para ver o time de perto em jogos contra grandes do Paulistão. Se não podia marcar presença, sintonizava na Cultura.

Antonio estudou, se tornou engenheiro eletrotécnico, se casou, formou sua família e se aperfeiçoou dentro de sua profissão, até que em 1993 ele recebeu um convite para morar e trabalhar em Portugal. O salário era atraente e se mudou com a família para Vila Nova de Gaia, cidade onde educou seus três filhos e, mesmo com um Oceano Atlântico o separando do time grená, continuou acompanhando cada jogo.

A decadência vivida pela Ferroviária no final da década de 1990 levou muitos torcedores a desistirem do time, mas isso não passou nem perto de acontecer com ele. “Eu vi essa época com muita tristeza, mas sem desanimar, pois a arte de vencer nós aprendemos nas derrotas”, frisa.


O poder da palavra escrita

Paralelamente à sua profissão, Antonio também se especializou na arte de escrever. Publicou nove livros, alguns sobre temas técnicos de engenharia, outros sobre Elvis Presley – sua outra paixão – e outros sobre poetas que o inspiraram. Todas as obras foram dedicadas à Ferroviária, e na última página aparece o emblema da equipe araraquarense, com palavras que resumem seu sentimento.

“Eu comecei a escrever muito cedo. Estava no ginasial, uma vez ganhei um concurso e fui premiado com uma enciclopédia que tenho até hoje. E foi aí que comecei a me interessar não apenas pela prosa, redação, como também pela poesia. Comecei a ler muito as obras da literatura portuguesa, principalmente Camões e Bocage”, relembra o poeta, que também é conhecido como Bélier. 
 

Arena remodelada

Antonio visitou Araraquara em várias outras oportunidades e em 2013 se encantou com a remodelação da Fonte Luminosa. “É esplendorosa. Guardada as devidas proporções, pois cabem aproximadamente 20 mil pessoas, é um estádio muito parecido em termos de formato com o Estádio José Alvalade, do Sporting de Lisboa. Eu diria que é um estádio de primeiro mundo, mas isso é algo complexo, pois se existe o primeiro mundo e o terceiro mundo, quem é o segundo? Quem é o quarto? Na Europa há muita coisa melhor, mas também há muita coisa pior que aqui”, completa.
 

Vida atual

Antonio Carneiro é casado com Marinalva da Purificação Silva e tem três filhos: Gladys, que trabalha e reside em Luxemburgo, Jefferson, que mora em Gaia e trabalha como bombeiro sapador no Porto, e Aline, que reside em Londres e é comissária de bordo.

O Poeta Afeano revela que os últimos tempos não têm sido fáceis para ele. “Fiz duas cirurgias à coluna lombar [artrodese bilateral], a segunda para corrigir a primeira da qual resultou um chamado pseudo meningocelo por rompimento do saco tecal [que envolve a medula] e até hoje estou em lenta recuperação, em fisioterapia, reforço muscular e exercícios específicos. Estive à beira de apanhar o inevitável ‘taxi do além’. Passou perto… Sobre a pandemia, meu soneto ‘Clausura compulsória’ [confira ao final da matéria], onde procurei resumir em metro o que penso da tal pandemia que nos assola”, explica.

Antonio avalia positivamente o momento atual da Locomotiva. “Considero-o muito promissor. Raros são os clubes que se podem gabar de uma situação estável do ponto de vista financeiro como a AFE, bem como de sua organização administrativa, que já lhe permitiu fazer nove novas contratações, manter o Tony e o Saulo para o Nacional, contratar o experiente treinador Dado Cavalcanti, que é mais conhecido no Norte e Nordeste, mas muito experiente apesar de jovem. A meu ver, está no caminho certo para maiores vôos tal como o futebol feminino já alcançou”, analisa.

Ele aproveita para cumprimentar a mídia e a diretoria afeana pelo trabalho em torno do time. “Quero deixar registrada a minha admiração pelo trabalho dos ‘Campeões da Bola’, com a participação do Vágner Fiorini, do Marcos Chiocchini e do inevitável líder José Roberto Fernandes, os quais não nos deixaram sem notícias da AFE durante a pandemia, através do ‘Balanço Geral’, que sintonizo sempre agora na frequência de 107,5 Mhz. Aliás, desde 1985 nos acostumamos com a cobertura dos ‘Campeões da Bola’, bem como antes disso pelos inesquecíveis relatos do nosso grande Wilson Silveira Luiz”, acrescenta.


Livros

Bélier também comentou sua fase literária. “Tenho atualmente nove livros publicados, contando-se as apostilhas técnicas com apoio da Petrobrás, referentes a projeto e manutenção de sistemas elétricos ‘off-shore’. Atualmente estou a escrever ‘Epopéia maior’ (Vida e ensinamentos de Jesus – em metro), que tem mais de 400 poemas transcritos no meu site, mas não estou muito animado em publicá-lo em razão do tamanho da obra e sobretudo da falta de qualquer empenho dos editores”, salienta.


Poesias

Antonio Carneiro perdeu as contas de quantos poemas produziu em sua vida. As obras foram publicadas por muito tempo, desde 2003, no blog Afe Net, de Paulinho Vidal, que divulgou 663 poemas sobre a Ferroviária. Antonio acredita que, antes da parceria, aproximadamente 200 já haviam sido feitos. 

A coletânea que vem produzindo conta com 400 poemas. Se a esses números forem somados seus livros, anuários de poetas do Brasil, rimas esparsas, entre outros trabalhos, o cálculo pode chegar a 2 mil obras. “Para uma simples comparação, por estrofes podemos dizer o seguinte: ‘Os Lusíadas’, poema épico de Luís de Camões, tem 1.102 estrofes. Só da AFE, após 2003, temos 663 poemas num total de 9.282 estrofes. Isto só para fazer uma estimativa, longe estou eu de comparar-me a Camões, embora escreva muito no seu estilo”, destaca. 

Ele destaca algumas poesias marcantes. “Não tenho alguma em especial, mas posso citar, aproveitando o assunto Camões, o poema ‘Liz I’, apontado como ‘Inspiração camoneana’ [leia ao final da matéria]. Tem outro que fiz sobre os 70 anos da AFE e outros tantos mais. Talvez depois que morrer, algum pesquisador paciente e bondoso faça um levantamento de tais registros”, acrescenta.


Declaração ao manto grená

Antonio resume o sentimento que nutre pela Ferroviária.”A Ferroviária tem sido a minha companheira distante de uma vida inteira, nos bons e nos maus momentos (meus e dela). Lembro-me das jornadas arriscadas nas plataformas de petróleo quando arranjava sempre um tempo para acompanhar os relatos dos jogos e do programa ‘Bola Número Cinco’ da Rádio Cultura em 90 metros (3.365 Khz), das viagens Rio-São Paulo para assistir a alguns jogos, de rejubilar-me a ver jogar atletas como Bazani, Dudu, Teia e tantos mais, um deles tão pouco referido, mas um gênio da bola chamado Antonio Parada Neto, falecido em 2018. Em resumo, para cada quadro que a memória me fotografa lá está a referência da AFE, a par da respectiva fase da vida ou de uma canção do Elvis. São pois páginas indeléveis coladas às páginas da minha mente”, explica.

Bélier se mostra otimista com o futuro do time. “Não poderia terminar sem agradecer pela oportunidade de expressar-me sobre a nossa Ferrinha, que ainda há de voltar à elite do futebol brasileiro, tal como já o fez o futebol feminino. Também não poderia deixar de apor o meu aplauso ao presidente Carlos Salmazo, que tive oportunidade de conhecer em 2017, que tão bem tem conduzido a Locomotiva certamente para um bom destino”, finaliza o Poeta Afeano.

Os poemas de Antonio Carneiro (Bélier) podem ser conferidos no blog www.poemafeano.worldpress.com

Clausura compulsória

Clausura imposta, segue subjugada
Na própria casa a humanidade inteira
A um invisível mal que se abeira
Ao mínimo contacto sujeitada;

Com seu poder a sua força armada
Permanece em repouso, sobranceira,
Mas inútil na bélica esteira
Dos arsenais, de ação abandonada;

A Parca de mil dedos implacável
Atua como nunca a ceifar vidas
Num séquito de horror insaciável,

Lembrando ao homem que conter as lidas
Com seus iguais é pacto indispensável
Para seguir por rotas mais vividas.

Antonio Carneiro (Bélier)
V.N.Gaia – Portugal
31/03/2020

Inspiração camoneana

LIZ I

Eu te cantei, embora não soubesse,
“As long as I have you”, se me escutavas,
E, a medo de escutar-me, não contavas
Que a conter de me ouvires estivesse;

E mais cantei, por que iludir pudesse
O teu ouvir, que assim não reparavas
Que era por ti meu canto e, pois, não davas
Por tanto amor que tanto eu te tivesse:

Destarte, em recitais de voz magoada
Deixei gravado este almo sentimento
De nosso prédio por parede cada,

Eis que o viver não tive do momento
Em que ao acaso visse-te chegada
Para de perto ouvir o meu lamento.

ET: “As long as I have you” Canção interpretada por Elvis e imortalizada na cena final e antológica do filme “King Creole”, de 1958. Seus autores: Fred Wise e Benjamin Weisman.

Antonio Carneiro (Bélier)
V.N.Gaia – Portugal
06/02/2020

Salve 12 de Abril!

Ferroviária septuagenária!

Salve septuagenária instituição,
De Araraquara nobre embaixatriz,
Sempre nova e decerto bem feliz
Ao desfraldar grená seu pavilhão

Que de áureas glórias verte alto padrão
Pelas trilhas diversas do país
E de além fronteiras qual condiz
Sua fama com grande ostentação!

Parabéns  nesta data Ferroviária
Em que celebras teu aniversário
E do futuro pões-te fiduciária

Que há de sempre te dar por corolário
Da grandeza vivida viés, lendária,
Rumo a um precioso itinerário.

Antonio Carneiro (Bélier)
V.N.Gaia -Portugal
09/04/2020

Confira fotos da vida de Antonio Carneiro.