Saudoso torcedor afeano criou rico acervo que completa 40 anosPostado em: 25/05/2020 às 15:21Autor: Carlos André de Souza
Paschoal: Uma vida dedicada à preservação da memória esportiva. Fotos: Arquivo pessoal/Tetê Viviani
O 24 de maio é especial para o esporte de Araraquara. Há 40 anos, em 1980, era fundada a Sala de Reminiscências Esportivas, que reunia um rico acervo reunido pelo historiador Paschoal Gonçalves da Rocha, que é considerado o maior símbolo de devoção ao esporte de Araraquara e, mais especialmente, à Ferroviária.
Famoso por andar pelas ruas da cidade com o escudo da AFE no peito, Paschoal construía amizades por onde passava e fazia questão de promover, em cada aniversário da sala, uma festa que reunia grandes nomes que ajudaram a fazer a história do esporte local, tanto profissional quanto amador.
Paschoal faleceu em 2014, mas seu conteúdo inspirou a criação do Museu do Futebol e Esportes de Araraquara e se encontra guardado e exposto no Museu de Reminiscências Esportivas, que é mantido pela Fundesport e administrado atualmente pelo grupo chamado Filhos do Paschoal, que mantém viva a memória do patrono com exposições, eventos e campanhas beneficentes.
A seguir, o Portal Morada apresenta a história de Paschoal da Rocha e da famosa Sala de Reminiscências Esportivas. Confira!
Afeano desde sempre
Filho de Manoel Gonçalves da Rocha e de Catharina Mustari da Rocha, Paschoal Gonçalves da Rocha nasceu em Araraquara no dia 27 de fevereiro de 1942 e passou sua infância no bairro do São Geraldo com os irmãos Ana, Ermelinda, Sônia, Ronaldo, Geraldo e Marcos.
O amor pela Ferroviária nasceu praticamente junto com o time, mais especificamente no dia 13 de maio de 1951, pouco mais de um ano após a fundação da Associação Ferroviária de Esportes, que ocorreu no dia 12 de abril de 1950. Com nove anos de idade, o garoto havia acabado de brincar de futebol com as crianças de sua idade no domingo de manhã, quando ficou sabendo que aconteceria, à tarde, a estreia do time profissional de futebol de Araraquara, que enfrentaria a Mogiana, equipe campineira que também era de origem ferroviária.
Ele não pensou duas vezes e partiu para o Estádio Municipal (que hoje pertence ao Clube Araraquarense). Assim como acontece hoje, as crianças com idade até 12 anos não pagavam ingresso, desde que fossem acompanhadas dos pais. Ele foi sozinho, mas como havia uma grande aglomeração de pessoas adentrando o local, os porteiros tiveram a certeza de que alguém ali perto era pai do menino, por isso conseguiu entrar. Em meio a um alvoroço de pessoas se espremendo nas arquibancadas, se acomodou em um lugar onde pudesse visualizar tranquilamente a partida.
Naquele mesmo local, ele acompanhava o futebol amador da cidade, por isso aquele tinha tudo para ser apenas só mais um jogo de futebol na vida do garoto. Mas não foi isso que aconteceu. A emoção de acompanhar aquela vitória por 3 a 1 deu início a uma verdadeira história amor do menino com o clube grená.
Ofícios
Paschoal estudou até a quarta série do ensino fundamental e chegou a trabalhar como engraxate, jornaleiro e cobrador de ônibus da CTA, até entrar para o Departamento de Estrada de Rodagem (DER), onde construiu uma longa carreira de 50 anos até se aposentar em 2012.
Paralelamente a esses trabalhos, ele viu seu envolvimento com o futebol aumentar em 1970, quando foi convidado para ser coordenador de esportes do Clube Náutico. Na parte esportiva, ele também trabalhou no Clube Araraquarense e no Clube 22 de Agosto. Também participou de colunas esportivas nos jornais O Imparcial e Folha da Cidade.
O esportista também já vestiu a camisa da Ferroviária como funcionário do clube, onde trabalhou como cobrador, porteiro e bilheteiro.
Família
Paschoal conheceu a esposa Rosmari Ortega por contatos telefônicos, já que trabalhava como telefonista do DER e ela como telefonista na Telesp. O amor foi selado com o casamento no dia 23 de julho de 1967.
Do casamento vieram os filhos Artur (nascido em 1968), Rogério (1973), Valéria (1975) e César (1980). Posteriormente vieram as netas Julia (nascida em 1996, filha de Artur) e Vivian (2010, filha de Valéria).
A Sala de Reminiscências
No final da década de 1970, Paschoal, que sempre se propôs a manter viva a história esportiva da Araraquara, iniciou uma coleção de fotos dos times amadores da cidade. Seu amigo, o radialista Wilson Silveira Luiz, sugeriu a criação de um espaço para guardar e expor o material.
Com o apoio do empresário Vicente Michetti e com ampla colaboração do fotógrafo Tetê Viviani, Paschoal da Rocha inaugurou sua Sala de Reminiscências Esportivas em 24 de maio de 1980, em sua casa localizada na Vila Xavier.
O local começou a atrair os apaixonados pelo esporte e com o tempo foi aumentando o acervo, que se expandiu para todas as modalidades esportivas. Era comum ver Paschoal fotografando torneios na cidade e, com colaborações de materiais dos próprios atletas e de jornais da cidade, aumentou ainda mais sua ‘coleção’. O espaço físico também foi ampliado e chegou a contar com seis cômodos em sua residência. Assim, a sala se tornou um cartão postal da cidade e atraía diversas celebridades do mundo esportivo.
Estima-se que o acervo de Paschoal reúne mais de 40 mil fotos, além de flâmulas, troféus, camisas e livros.
A Festa do Paschoal
Com a fundação da Sala de Reminiscências, Paschoal decidiu promover uma comemoração especial em cada aniversário do local. A ideia começou com um churrasco e ao longo do tempo se tornou um jantar que já foi sediado no Melusa, Clube 22 de Agosto e Clube Araraquarense.
As festas contavam com a presença de personalidades de vários segmentos de Araraquara, autoridades, jogadores e atletas que fizeram história no esporte da cidade, muitos deles vindos de longe para matar saudade dos amigos e da cidade. Paschoal também promovia em cada evento uma premiação onde entregava troféus e medalhas para esportistas, jornalistas, além de empresários e políticos que colaboravam com o esporte local.
Mas para essa ideia se tornar realidade a cada ano, era necessário um grande esforço de Paschoal. Muitos meses antes de cada festa, ele rodava pelas ruas da cidade em busca de patrocínios e, com muitas amizades, conseguia convencer os empresários a colaborarem para a realização do evento.
Assim, com a mesma devoção com a qual torcia para a Ferroviária, o historiador se dedicava à realização de sua festa, que se estendeu por 33 anos sendo a grande comemoração do esporte de Araraquara.
O Papa Afeano
Católico praticante e frequentador da Paróquia de Santo Antônio, na Vila Xavier, Paschoal não abria mão de sua camisa da Ferroviária nem mesmo para ir à igreja. Por conta disso e também pela forma dedicada como era visto pela torcida da Ferroviária, ganhou o apelido de Papa Afeano, que foi dado a ele pelo jornalista Alessandro Bocchi. Paschoal gostou do apelido e se orgulhava quando alguém se referia a ele com a alcunha.
Padres x Fotógrafos
Outro evento esportivo criado por Paschoal que ‘pegou’ em Araraquara foi o jogo comemorativo entre padres e fotógrafos, que perdurou por quase 30 anos.
A comemoração era sempre realizada no mês de agosto, já que ele unia as datas referentes ao Dia do Padre (4 de agosto), o Dia Mundial da Fotografia (19 de agosto) e o Aniversário de Araraquara (22 de Agosto).
O adeus a Paschoal
No dia 19 de novembro de 2014, Araraquara se despediu de Paschoal Gonçalves da Rocha, que faleceu aos 72 anos em decorrência de um câncer de estômago.
Em seu velório, foi respeitada sua vontade expressa em vida de ter seu corpo coberto por uma bandeira da Ferroviária. O sepultamento, realizado no Cemitério São Bento, contou com a presença de uma verdadeira multidão, que comprovou o quão querido era ele na cidade.
Por uma obra do destino, Paschoal faleceu alguns meses antes de a Ferroviária conquistar o tão sonhado acesso de volta à elite do futebol paulista, de onde se manteve distante por quase duas décadas. Alguns torcedores brincam com a situação e dizem que Paschoal foi diretamente ao Céu para pedir pessoalmente uma ‘intervenção divina’ sobre esse momento tão sonhado pelos torcedores afeanos.
Acervo resguardado
O conteúdo da Sala de Reminiscências de Paschoal alimentou a criação do Museu do Futebol e Esportes de Araraquara, que foi inaugurado no dia 10 de março de 2010 em uma sala localizada na entrada do Estádio da Fonte Luminosa. Lá, todas as fotos foram digitalizadas com o intuito de evitar sua deterioração com o tempo e ao mesmo tempo facilitar o acesso ao povo araraquarense. Desde então, o local promove exposições rotativas com os materiais e com os frutos das pesquisas dos monitores.
Mais tarde, após o falecimento de Paschoal, a família pediu auxílio à Prefeitura para transferir o acervo para um espaço público. Assim, no dia 25 de agosto de 2015, o então prefeito Marcelo Barbieri inaugurou o Museu de Reminiscências Esportivas Paschoal Gonçalves da Rocha, localizada na área das piscinas do Complexo Aquático da Fonte Luminosa. O local conta com uma sala de depósito técnico no pavimento superior e a de exposição no térreo.
No momento, por conta da pandemia do novo coronavírus, os dois museus seguem fechados para visitas.
Memória preservada
A Festa de Aniversário da Sala de Reminiscências não foi realizada entre os anos de 2014 e 2016, porém em 2017 foi retomada no Museu de Reminiscências, quando a Torcida Coração Grená promoveu a comemoração no próprio local, reunindo esportistas e membros da imprensa, inclusive com a premiação de troféus e medalhas que era a marca de Paschoal.
Em outubro do mesmo ano, foi fundado o Grupo Filhos do Paschoal pelos filhos Artur Rocha e Cesar Ortega Gonçalves da Rocha e pelo amigo Rodrigo Coutinho Sossolote (Soró) e suas companheiras. Com o apoio dos demais familiares, o grupo passou a organizar os eventos e ações sociais. Em 2018, a Torcida Organizada Afeganistão se uniu ao grupo, cujo trabalho pode ser acessado pelo site www.filhosdopaschoal.com.br. Soró também deu sequência ao trabalho de Paschoal na imprensa, com a continuidade de suas colunas de esporte amador na Folha da Cidade.
Nesta segunda-feira (25), por conta da comemoração de 40 anos, seria realizada uma festa no Clube Araraquarense, porém a celebração acabou adiada por causa do isolamento social em decorrência do novo coronavírus. Segundo os organizadores, uma nova data será agendada após a pandemia ser estabilizada.
Assim, após dedicar sua vida à difusão do esporte de Araraquara com o resgate e preservação da história, resta agora à cidade manter preservado o legado e os valores de vida que foram deixados por Paschoal Gonçalves da Rocha.
(Colaboraram com a reportagem: Alessandro Bocchi, Rodrigo Coutinho Sossolote e Artur Rocha)